Onde foi parar sua alegria?
:: Izabel Telles ::
Meu querido amigo,
Ontem naquele almoço de
aniversário em que nos reencontramos não gostei nada do que vi.
Olhei você de longe e mais
parecia uma planta murcha dependurada num vaso cuja terra estava seca e sem
vida.
Todos riam e brindavam à
aniversariante e só você se mantinha mudo e retorcido sobre a cadeira emanando
uma energia de abandono, tristeza, medo e encolhimento.
Não pude deixar de sentir um
nó no meu peito. Sim, porque não era esta a imagem que havia guardado de você
dos nossos tempos de colégio.
Lembro-me de vê-lo cercado
pela turma, nos intervalos das aulas segurando seu violão contra o peito e
tocando de uma forma vigorosa e firme. Todos ficavam um pouco hipnotizados
vendo seus dedos correrem ligeirinho pelas cordas, enquanto apertava seus
lábios entre os dentes e fechava um pouco os olhos como se estivesse viajando
dentro das notas musicais.
Onde anda seu violão?
Quantas vezes fui à sua casa
e você ainda não tinha chegado da natação e quando abria a porta eu gostava de
ver aqueles ombros largos recebendo alguns pingos de água que teimavam ainda em
escorrer dos seus cabelos. A endorfina que seu corpo fabricava durante o
exercício vinha refletida no seu sorriso largo. E a gente ia pro seu quarto e
conversava até altas horas enquanto você dedilhava seu violão e falava ao
telefone com seus amigos e amigas que, como você, estudavam pintura com aquele
artista mega-talentoso. Sabe que eu morria de inveja de vocês?
Onde estão suas telas? Seus
desenhos? E a natação?
E sua bicicleta? Ninguém
saltava mais alto e fazia curvas em uma roda como você. Lembra as ruas do
Morumbi? Você saia disparado por elas e trocava a bique pelo skate e despencava
aquelas lombadas sibilando as rodinhas de aço no asfalto já marcado de tanto
que a turma passava por aquele caminho.
Onde estão sua bicicleta e
seu skate?
Outro dia andando na Rua da
Consolação vi um cão como o que você tinha. E, naquele momento, veio à minha
mente a imagem da gente brincando com ele no sítio do seu pai. Jogávamos uma
pinha e ele saia correndo atrás e punha de volta na nossa mão. E quando a gente
queria se jogar nas redes do terraço para dormir, ele vinha com a pinha e
ficava raspando a pinha no chão pra acordar a gente e sair brincando de novo.
Você falava uns palavrões pra ele e ele latia como se fosse sua mãe brava cada
vez que você usava uma linguagem menos requintada.
Onde está o cão?
Eu também mudei. Sei que
todos mudamos. E não foi pouco. Tivemos que ir pro mundo e batalhar o pão de
cada dia. Casamos, parimos filhos e a realidade mudou muito. Já não somos mais
inocentes. Já não temos mais a casa dos nossos pais ou avós onde o mundo sempre
foi (e sempre será) uma ilha de descanso e aconchego. Estamos sós, nus,
encarando o mundo frio que está com o pé da nossa cara.
E agora o que fazer?
O que fazer, cara?
Dar risada, levar tudo isso
com menos seriedade e rigor, olhar com distância e criar o nosso mundo
particular. E esse sim, pode ser mais colorido e mais quentinho.
Olha primeiro para você e
ergue este corpo caído e sem vida. Olha pros teus filhos e pense no exemplo que
está dando a eles. Se nosso mundo não foi exatamente como planejamos, não vamos
estragar o projeto do mundo deles com pessimismo e desalento.
Afasta esta nuvem negra que
cobre sua vida e deixa o sol entrar de novo no seu coração. Como diz o poema:
toma mais sorvete e menos sopa, salta de pára-quedas, anda na chuva, solta
pipa, liga pro seu pai e diz a ele que, apesar das diferenças, ele é seu pai;
perdoa tua mãe por ela ter te deixado sozinho no berçário depois de você ter
morado dentro dela por quase um ano. E constrói a sua vida do jeito que você
acha que ela deve ser. Ensina novos valores pros teus filhos, ama profundamente
a tua companheira por ela estar ainda do teu lado, agüentar suas crises de mau
humor e raiva e muda o lado do disco da tua música emocional. E quer saber de
mais uma coisa? Nada é mais importante do que construir uma família sólida,
saudável, feliz. Esta é a grande vingança contra o descontrole que assola o
mundo!
Conto com sua força nesta
escalada rumo à felicidade.
Juro por Deus que nunca mais
quero te ver se for para topar com este cara morto/vivo que senta numa cadeira
e só levanta para ir embora. Pense imediatamente em voltar a participar da
festa!
Conto com isso. E, claro,
também com seu violão, sua arte, sua bicicleta e seu cão.
E você pode contar comigo.
Também venho de uma genética suicida, triste e infeliz. Mas jurei desde pequeno
que daria a volta por cima e que iria mudar o meu padrão familiar. Por isso às
vezes as pessoas me acham meio pateta porque não estou nem aí com os filósofos
do apocalipse e vou pra praia ver o pôr-do-sol. E ainda me emociono com a
desova das tartarugas ou a dança dos golfinhos. E choro quando vejo uma face de
Deus na cara de um clarinetista que toca nalguma orquestra de algum país do
mundo que aposta forte na arte como forma de redenção.
Hoje em dia tenho aplicado
meu tempo em criar alguns exercícios para fazer com a imaginação. Vou deixar um
aqui se você quiser experimentar. Mas, se fizer, faça por, no mínimo, três
meses ao acordar e antes de deitar.
E fica bem. Na alegria e na
certeza de que a oração também tem poder de trazer luz e paz às nossas vidas.
Portanto, acredite ou não, rezar ajuda muito. Crie suas orações e lembre-se do
velhíssimo ditado: mente sã em corpo são. Portanto, malha seu corpo até sentir
que ele está integrado à sua mente. E chama seu Grande Espírito para acender o
pavio desta vela que é a vida de cada um. Cara, a gente nasceu para brilhar!
E aqui vai o exercício:
Saindo da nuvem negra
Sente como se fosse
trabalhar. Respire como se fosse relaxar e feche os olhos para imaginar.
E imagine que você está
dentro de uma nuvem negra. E aceite esta imagem como a expressão do seu mau
humor, revolta, pessimismo, tristeza e desesperança. Respire uma vez e dê cinco
passos à frente e veja esta nuvem mudando de negra para cinza, de cinza para
branco e de branco para luz. Então saia deste lugar como quem sai de uma porta
e imagine na sua frente o mundo perfeito que sempre sonhou criar. Crie este
mundo, entre neste mundo e sabendo que pensamentos se transformam em realidade,
acredite que tudo muda, se você quiser.
Sentindo-se renovado, respire
e abra os olhos.